Tratamento

Tratamento das Leishmanioses

Dr. Armando de Oliveira Schubach

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, FIOCRUZ

Os medicamentos mais amplamente utilizados tanto no tratamento da leishmaniose tegumentar americana (LTA) quanto da leishmaniose visceral (LV) são o antimoniato de meglumina, a anfotericina B em suas diferentes formulações, a pentamidina e, mais recentemente, a miltefosina. Contudo, existem diferenças nas indicações, doses e tempos de tratamento, assim como nos critérios de cura empregados para cada doença e suas respectivas formas clínicas. Todos esses medicamentos estão associados à elevada toxicidade, podendo levar ao óbito. Portanto, durante o tratamento, é necessária a monitorização de efeitos adversos com realização de exame clínico, hemograma, bioquímica do sangue e eletrocardiograma em intervalos regulares.  Vale considerar que, nas unidades básicas de saúde localizadas nas áreas endêmicas, são frequentes a carência de recursos e as dificuldades no manejo de comorbidades, na administração de medicamentos como anfotericina B e pentamidina e na monitorização de efeitos adversos. A distância entre o local de moradia dos pacientes e as unidades de atenção secundária ou terciária costuma dificultar ainda mais o acesso ao tratamento com esses medicamentos.

A LTA não é uma condição letal e, como regra, não há urgência em se iniciar o tratamento. Portanto, investir esforços no diagnóstico pode evitar tratamentos desnecessários. Iniciar com o tratamento da infecção secundária e do eczema frequentemente associados pode elevar a sensibilidade das técnicas de diagnóstico laboratorial. Para aumentar a segurança e reduzir a letalidade do tratamento específico para LTA, antes de iniciá-lo devem ser identificadas e controladas comorbidades como hipertensão arterial, diabetes mellitus e arritmias cardíacas, além de outras cardiopatias, hepatopatias e insuficiência renal.

Na LTA causada por todas as espécies de Leishmania, exceto L. (Viannia) guyanensis, está indicado o tratamento sistêmico com antimoniato de meglumina, por via intramuscular ou intravenosa. Como opção, na forma cutânea (LC), pode ser utilizada a via intralesional. Calor local administrado por dispositivo térmico e crioterapia podem ser alternativas terapêuticas. Na forma mucosa (LM), recomenda-se a associação de pentoxifilina, por via oral, para pacientes acima de 12 anos.

A anfotericina B desoxicolato, por via intravenosa, pode ser utilizada na coinfecção pelo HIV ou em casos de contraindicação ao antimoniato de meglumina, sem insuficiência renal. A anfotericina B lipossomal, por via intravenosa, é indicada para maiores de 50 anos, pacientes transplantados ou com insuficiência ou renal, cardíaca ou hepática, imunosuprimidos, coinfectados pelo HIV e em grávidas, a partir do segundo trimestre de gestação.

O isetionato de pentamidina, por via intramuscular ou intravenosa, é indicado no tratamento da LTA causada por L. (V.) guyanensis; e na LTA causada por outras espécies, quando houver contraindicação ou intolerância ao uso de antimoniato de meglumina ou de anfotericina B.

Em 2020, a miltefosina, por via oral, passou a ser indicada para o tratamento da LC. Esta opção terapêutica pode ser particularmente útil nas áreas endêmicas em que a baixa sensibilidade ao antimoniato de meglumina seja um problema. As evidências sobre tratamento da LM ainda são restritas. Por ser teratogênica, a miltefosina tem contraindicação absoluta na gravidez. Depois de excluída a gravidez por teste sensível de dosagem Beta-HCG, mulheres em idade fértil devem iniciar contracepção 30 dias antes de iniciar a miltefosina, por dois métodos altamente efetivos contracepção, sendo um de barreira. Náuseas, vômitos e diarreia são as reações adversas mais comuns.

Na LTA, o critério de cura é clínico. Na LC, a cicatrização total é definida por epitelização das lesões cutâneas (geralmente até três meses após o tratamento) e regressão das crostas, descamação, infiltração e eritema; e ausência de lesões mucosas. Na LM, espera-se a epitelização e desinfiltração das mucosas com redução do eritema.

Diferente da LTA, a leishmaniose visceral (LV) é uma doença sistêmica potencialmente letal. Os principais medicamentos utilizados no seu tratamento são o antimoniato de meglumina e a anfotericina B lipossomal. Nas fases iniciais e mais brandas da LV, o tratamento ambulatorial pode ser realizado com antimoniato de meglumina, por via intramuscular ou intravenosa.

 Nas formas mais graves da LV, com prognóstico reservado devido à presença de alterações clínicas ou laboratoriais associadas ao óbito[1], o tratamento específico com anfotericina B lipossomal, por via intravenosa, em regime de internação hospitalar, deve ser iniciado o mais breve possível. Na LV o óbito costuma ser decorrente de infecções bacterianas ou de sangramentos. Portanto, antibioticoterapia e hemoterapia devem ser associadas sempre que indicadas. Medidas adicionais como hidratação, antitérmicos, suporte nutricional e tratamento de comorbidades também devem ser adotadas.

Na LV, os critérios de cura são clínicos com desaparecimento da febre ao redor do quinto dia, melhora progressiva do estado geral com retorno do apetite e ganho de peso, aumento da hemoglobina e leucócitos por volta da segunda semana e redução de 40% ou mais do baço ao término do tratamento.

Finalmente, é importante destacar que, tanto na LTA quanto na LV não há indicação de tratamento de infecção sem doença! Pessoas de áreas endêmicas sem manifestações clínicas, com sorologia reagente ou exame parasitológico positivo devem ser acompanhadas, sem necessidade de tratamento.


[1] Prognóstico – variáveis clínicas ou clínicas e laboratoriais associadas ao óbito na LV. http://sbmt.org.br/kalacal/index.php